quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Os níveis primitivos do mal nos contos de fada

(Baseado em palestra de Marie-Louise von Franz sobre o tema- Extraído do livro de mesma autora “A sombra e o mal nos contos de fada” ed.Paulus)

A autora acima citada apresenta uma análise sobre a questão do mal nos contos de fada. Segue, para isto, o marco teórico da psicologia analítica de Carl. G. Jung. Apesar de ser uma reflexão profunda e com alto teor de cientificismo na área da psicologia me aventuro a tecer comentários e um breve resumo do que consiste a narrativa.
A sociedade humana revela tendência basicamente ética, ou seja, há, segundo a autora, uma predisposição da psique humana à determinadas reações e avaliações éticas do ser frente suas próprias ações. Estas reações éticas que podem ser conscientes ou inconscientes se baseiam em várias motivações externas, mas uma que merece grande destaque é o código moral coletivo que varia de nação para nação. Não existe um código moral coletivo único para toda a sociedade humana, isto porque a construção da ética para cada sociedade depende de fatores que influenciem sua vida. Em uma sociedade com escassez de água, por exemplo, tomar um longo e relaxante banho de 30 minutos pode ser considerado anti-ético. Veja: Em uma sociedade com baixa natalidade de seres humanos do sexo masculino, a bigamia ou poligamia pode se tornar uma prática consoante com a ética, à medida que forem ficando escassos os homens em idade reprodutiva, considerando a inclinação instintiva do ser humano à reprodução.
Os contos de fada refletem o código moral coletivo da sociedade que os cria, e por isto, têm maior valor nesta sociedade do que em outras. É através deles que a oralidade transmite ao longo das gerações o código moral coletivo local.
A questão do mal é complexa. Nesta análise se olha apenas para os níveis primitivos do mal, ou seja, o mal se manifestando através do instinto e do inconsciente, sentidos da natureza animal do ser humano. Os contos de fada são histórias simples mas cheias de significados ocultos. Uma das coisas que em geral abordam é a questão do mal, com a finalidade de manter na sociedade o conhecimento de o que se considera naquele código moral coletivo como mal. Em alguns casos os contos induzem à enfrentar o mal, em outros, a fugir dele.
Fato é que as histórias se contrabalançam. Elas refletem as tendências compensatórias do inconsciente. O inconsciente humano tende a contrabalançar o real consciente. Assim, as reflexões éticas são proporcionadas, em geral pela atuação do inconsciente frente ao consciente, gerando o sentimento de arrependimento ou remorso, o que pode ser mais facilmente notado nos sonhos. Por exemplo, um político que na noite do dia em que assina um contrato no qual se envolve em corrupção, sonha com a ocasião de assinatura deste contrato, entretanto ao consumar o ato, no sonho, vê suas mãos ficando escuras envolvidas por lama. Nem sempre, infelizmente, o contrapeso ético é forte o suficiente para impedir o indivíduo de reincidir na pratica do que sua sociedade considera como mal.
Importante ressaltar que há sempre dois lados nos níveis primitivos do ser, o bom e o ruim, o sim e o não, ou como se queira diferenciar estas metades complementares. Hedwid boyé realizou uma pesquisa trabalhando com sonhos de presos de alta periculosidade e constatou em seu livro:“Pessoas com uma grande sombra” que as ovelhas mais negras têm as sombras mais brancas. Ou seja, muitas vezes os assassinos do mundo real apresentavam em seus sonhos o desejo de serem pessoas corretas e bondosas. Alguns até conseguiam inverter seu comportamento internalizando o comportamento assassino e externando o bem.
Concluo, portanto que o mal é um conceito relativo, mas intimamente ligado aos níveis primitivos do ser humano. Cada cultura pode ter um conceito de mal e ele normalmente estará atrelado ao conceito do antiético, refletido em costumes e contos de fada e outras histórias infantis. O que o texto em análise nos proporciona é refletir como os fenômenos exteriores, que interagem com níveis primitivos de raciocínio, como os próprios instintos de sobrevivência no habitat e reprodução da espécie, influem na formação cultural de um povo. O que é mal estará sempre em contraposição com o que é bom (evidentemente), mas interessante notar como o que é mal é sempre o que ameaça o status quo, a continuidade, de um sistema que tem garantido a sobrevivência do grupo social.

“Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal” -(João 17:15)

2 comentários:

  1. Bel, minha pergunta eh: Se o mal eh relativo, o bem tabem eh relativo, e logo os derivativos de "certo" e "errado" sao relativos. Sendo assim, o mundo da "etica" nao estaria confinado ao relativismo? Em outra palavras: Ha como descobrir um mal em comum a todos os seres humanos, mesmo sendo uma grave generalizacao? Se sim, o que este mal seria?

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  2. Numa análise mais objetiva sobre a questão do mal ser aquilo que contraria o status quo, podemos dizer que o mal é precedido de um sentimento comum a todos os seres humanos, indiferentemente, o "MEDO". O medo de perder, de sofrer, de dividir, medo de não suportar as intemperes da vida, de um modo geral e comum a todos, repito. Fato este que não justifica o cometimento de qualquer "mal" ao seu semelhante. O mundo é um só e, pode acreditar, tem espaço para todos!!!

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Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

Deve torturar o rapaz em busca das informações abandonando assim o respeito à dignidade humana, sobrepondo o comunitarismo em face do liberalismo, ou até mesmo praticando um ato ilegal, que resultará na salvação de muitas outras vidas? O que você faria?

Em que momento um ser humano realizou o ato mais cruel?

Qual é o pior dos sete pecados capitais?

Qual sua opinião a respeito da legalização do uso de drogas?