sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Um quê de Nietzsche

A data de hoje, desde o ano de 2001, traz consigo uma pesada atmosfera; um quê de olhar para os lados e, principalmente, para o alto. Um quê de desconfiança, de pesar, de gosto e desgosto. Ousado, porém não errôneo, seria dizer que o dia de hoje carrega um quê de Nietzsche.

Filósofo nascido a 15 de outubro de 1844, Friedrich Wilhelm Nietzsche foi filho de pai delicado e culto, de quem ficou órfão muito novo – aos cinco anos perdeu não só o pai como, também, seu irmão. Por conta dessas perdas, se mudou de Röcken – sua cidade natal – ,com a família, para a pequena cidade de Naumburg, onde cresceu com sua mãe, duas tias e sua avó. Neto de avós pastores presbiterianos, pensava em seguir a mesma carreira. Na escola, seus amigos o chamavam de “pequeno pastor”. Vida calma, família, até onde se sabe, estruturada; Nietzsche gozou de uma infância feliz e tranquila.

Tranquila também era uma nação que, no ano de 2001, estava, há muito, no topo do mundo: os Estados Unidos da América no Norte seguiam na feliz posição de potência mundial. Economia forte, status de poder e de oportunidades, o capitalismo seguia como sua maior fonte de inspiração e, principalmente, riqueza. E, ainda que se trate de uma nação relativamente nova, pode-se dizer que também tinha tido sua infância feliz - ainda que tenha levado cicatrizes, como a Guerra se Secessão e a queda da bolsa de 1929, os tombos não comprometeram seu feliz crescimento.

Nietzsche seguiu se enveredando pelo mundo acadêmico-filosófico ao longo da vida. Estudou Teologia e Filosofia, mas abandonou tais estudos para de se dedicar à Filologia. Porém seu interesse aos estudos filosóficos retornaria de forma intensa e definitiva ao conhecer os pensamentos de um certo filósofo que se tornou uma de suas maiores fontes de estudo: a leitura de “O Mundo como Vontade e Representação” de Schopenhauer (1788-1860) , e seu característico ateísmo, acabaram por revolucionar o pensamento e o filosofar de Nietzsche – algo havia mudado em sua, até então, pacata e ilustre história.

De volta ao ano de 2001, mais precisamente numa manhã de terça feira. Aparentemente mais um dia de rotinas e afazeres e, sendo assim, manhã de acordar cedo e correr contra o tempo - que a modernidade fez significar dinheiro. O funcionamento da vida seguia na mais fosca trivialidade, bem como o funcionamento dos prédios comerciais e aeroportos: às 07:58, horário de Boston, sobe aos ares um Boeing 767 da United Airlines, transportando 65 passageiros, com destino a Los Angeles; às 07:59 segue, da mesma companhia de aviação e com o mesmo destino, outro Boeing 767, este levando 92 pessoas em seu interior. Às oito horas, ritmo frenético na capital do mundo – New York. Trabalhadores adentram o gigante complexo do World Trade Center para fazer, cada um, a sua parte e manter o coração do mundo pulsando.08:01 é a vez da American Airlines levar 46 pessoas à São Francisco em um Boeing 757, ação repetida às 08:10, com 66 pessoas e tendo como destino Los Angeles. Apesar de vôos aparentemente comuns, a peculiaridade de alguns de seus passageiros e a fidelidade destes para com seus objetivos garantiriam que uma mudança drástica acabaria por ocorrer em sua, até então, também pacata e ilustre história.

Após a influência de Schopenhauer, Nietzsche começou a criticar, de forma cada vez mais veemente, o pensamento socrático-platônico e especialmente o cristianismo, o que faria de forma cada vez mais incisiva até o fim da vida. Apesar de ter rompido com aquele que o fez voltar aos estudos da Filosofia, seguiu cada vez mais cético, ríspido e só. Dizia que o mundo é um vale de lágrimas e sofrimento e que o cristianismo nada mais era que uma ilusão, uma forma de disfarçar a tenebrosa realidade e iludir o que crê, fazendo-o acreditar na bondade e na alegria da vida terrena – coisas que, para ele, não existem. Assim agia Platão na antiguidade: idealizava algo que não existia, algo perfeito e eterno, para maquiar a verdade disforme e cruel. Daí a necessidade vista por Nietzsche de matar Deus. A morte de Deus é a morte de um horizonte metafísico, que se baseia na dualidade entre verdade e hipocrisia, entre bem e o mal. A inversão de valores para ele é clara: no mundo, o agir bem significa ser submisso, ser fraco, vestir as máscaras que os poderosos impõem sob o pretexto de ser esse o caminho para se encontrar a ficta e infértil felicidade. Já o mal é romper, é escavar o submundo do pensamento humano, é “fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo” e esta tarefa Nietzsche toma para si : "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal".

Se a realidade é verdadeiramente infecta como dizia Nietzsche, e nela o homem fraco – que, para ele, seria a enorme maioria deles – estava cegamente imerso, o rumo tomado naquela manhã de terça feira tem sua explicação filosófica. Ás 08:48 um dos Boeings se chocou contra o 100º andar do World Trade Center. Ás 09:03, a segunda torre é atacada por outro “imenso pássaro de ferro”. A primeira torre foi ao chão às 09:59, e a segunda, às 10:28. O Boeing que decolara às 08:10 se chocava, às 09:43, contra o Pentágono, a 3km da Casa Branca, e o que decolara às 08:01 caiu às 10:10 em Shanksville, Pensilvânia, supostamente derrubado pelos próprios passageiros, que brigaram com os terroristas. Talvez Deus, para escapar do assassinato de Nietzsche, tenha mudado sua identidade para Alá e, então, invertido de vez os valores.

Em nome de uma realização duvidosa – um paraíso com 72 virgens à espera daqueles que se sacrificam por Ele -, milhares de vidas foram eliminadas e o pior, talvez, ainda estivesse por vir: "Não se trata apenas de capturar essas pessoas e fazer com que paguem pelo que fizeram (...), é preciso também eliminar os santuários, os sistemas de apoio e acabar com os Estados que patrocinam o terrorismo", disse Paul Wolfowitz, subsecretário de Defesa. O mau virou eixo, alvo marcado e atacado, vitimando ainda mais inocentes. A definição de mau nietzschiana, de repente, pareceu profecia.

Daí a problematização de o mal ser algo que, de certa forma, se impõe no dia de hoje. Para Nietzsche, o bem é o mal disfarçado e, ele sim, é a regra, não a exceção; a promessa de paraíso é a desculpa perfeita para o domínio e a escravização daqueles que são fracos para, até mesmo, perceber o que se passa. E, no episódio relembrado na data de hoje, talvez o filósofo ora estudado teria sua mais clara comprovação, a sua mais elementar prova, capaz de sustentar seu argumento de uma forma tristemente irrefutável.

Dedico este singelo e despretensioso artigo a todos aqueles que, de alguma forma, tiveram um pouco de Nietzsche no seu dia hoje e que, ainda assim, seguem esperando dias mais pincelados por Rousseau.

5 comentários:

  1. Isso coloca um problema para Sócrates, que acreditava que o conhecimento levava ao bem. Mas, certamente, os terroristas detinham muito conhecimento, que foi necessário para seqüestrar e pilotar o avião. Será que Sócrates teria uma resposta para isso?

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  2. E será que Deus tem algo a ver com isso? Um livro fundamental sobre o tema é a Teodicéia, de Leibniz. Vale a pena ler também A religião nos limites da pura razão, de Kant

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  3. Certa vez, entre um atender e outro a seus pacientes no infame e extinto hospital de Mailasqui, entre Vargem Grande Paulista e Sao Roque, Dr. Luiz Mario Frenkiel, psiquiatra, anunciou que cursara pos-graduacoes em Jerusalem, e um dos presentes indagou, surpreso, qual era a natureza dos conflitos da regiao. Meu tio, o Doc, evitou grandes explicacoes porque o dia exigia pressa. Porem, a mesma pessoa comentou: "O que acontece naquela regiao eh muita falta de deus." Ao que o Doc respondeu: "Nao, querido. Eh o excesso."

    A pergunta do Marcelo, se tem a ver com deus ou nao, pode ser respondida, segundo o proprio Nietzsche, com a mesma resposta dada caso trocassemos a palavra "deus" por "papai Noel".

    Mas justamente o afastamento do racicionio tanto socratico-platonico quanto, mais adianta, Aristoteliano etc, e inclusive o proprio dilema que apresentaria a qualquer absolutista como Emmanuel Khant, eh que as estruturas reais e a dinamica do mundo nao permitem, ao menos por hora, qualquer especie de idealizacao. Nao que o "ideal" nao seja necessario em alguns niveis de analise, porque deve muito bem se-lo. Sem o "ideal" nao haveria um bom fundamento a decisoes logicas. Mas mesmo assim, esse "ideal" eh constantemente refutado, se nao na natureza, no corriqueiro.

    So acho que quando falamos de estados-nacoes nao podemos simplificar muito o tema. Esse "mal" nao eh "mal" a todos. Como diria o frances Voltaire, torcer por uma nacao eh torcer contra outras.

    Cunhada! Vou te linkar ;-)

    bjx

    RF

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  4. Certamente, acredito que todo o mundo deve ficar mais apreensivo a cada dia onze de setembro que se passa na história humana na Terra. Pensar que o "Poder" sobre as coisas e as pessoas levará alguém a algum lugar distinto do lugar comum a todas as pessoas, seria um ledo engano, há controvércia. Somos todos iguais aqui na Terra, portanto saber ousar de uma posição de liderança é, sobremaneia, importante, pois se deve usar desta prerrogativa de líder para equilibrar as distorções existentes em todo o mundo, hoje, globalizado.Feliz dia 11/09/09!!!

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  5. Não quero iniciar meu post sem dar os parabéns ao grupo pelo artigo, realmente interessante e bem escrito.
    Nietzche tenta matar a Deus, outros tentam fazer que Ele não morra utilizando como meio para esse fim a morte. Sem dúvida, nosso século XXI não tem um bom principio, não relata sua historia como uma novela... parte de uma tragedia que, ontem, comemorava seu oitavo aniversário.
    Na historia, muitas pessoas tentam matar a Deus: o ateísmo, o relativismo ou, mais explicitamente, o Comunismo. Nesta última corrente filosófico-social, Marx explicava, no seu Manifesto Comunista, que a religião é o "opio do povo".
    Mas, o que chama ainda mais a atenção, é que tentando matar a Deus, se mata ao homem. Só vou por um exemplo evidente: o Nazismo, corrente do pensamento que não permitia nenhum deus. E, ainda mais chama a atenção, quando se tenta fazer viver a Deus, também se mata ao homem. Então, cabe perguntar-se: "Tem Deus que viver por Ele mesmo?" A resposta é "sim", porque um mundo sem Deus não existe, só que o Deus que todos conhecemos muda ao "deus dinheiro", "deus prazer", "deus vanidade", etc. E um mundo com excesso de Deus faz o nome Dele transformar em algo ainda pior, "deus fanático". É curioso dar conta como o homem deixa de produzir mal por uma corrente filosófica ou por um pedaço de terra, hoje mata pensando em ser a espada de Deus...

    (Peço desculpas pelo meu português)

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Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

Deve torturar o rapaz em busca das informações abandonando assim o respeito à dignidade humana, sobrepondo o comunitarismo em face do liberalismo, ou até mesmo praticando um ato ilegal, que resultará na salvação de muitas outras vidas? O que você faria?

Em que momento um ser humano realizou o ato mais cruel?

Qual é o pior dos sete pecados capitais?

Qual sua opinião a respeito da legalização do uso de drogas?