domingo, 13 de setembro de 2009

Uma abordagem histórica do mal

Todos os dias, tomamos conhecimento de crimes e comportamentos brutais, principalmente por meio do noticiário. Casos de violência contra crianças, mulheres e idosos, assassinatos, tortura, têm sido praticados cotidianamente, o que atesta um problema constante na história da humanidade: o problema do mal. Embora de difícil definição, podemos entender o mal a partir do conceito formulado pelo filósofo Denis Lerrer Rosenfield, para quem “o mal é toda ação voltada para eliminar as condições de uma existência racional”.
Ao longo da história ocidental, podemos constatar que houve mudanças em relação ao entendimento sobre o que poderia ser considerado como mal. Inúmeras barbaridades praticadas em outras épocas tidas como normais, são consideradas inaceitáveis atualmente, como por exemplo, o canibalismo e o assassinato de recém-nascidos por causa de seus defeitos físicos. Tais avanços, porém, estão longe de significar que a maldade possa ser definitivamente contornada. Ela continua presente em toda parte do mundo, do âmbito doméstico ao cenário político internacional, verificada, por exemplo, no terrorismo da Al Qaeda e das Farc, dentre outros. A principal diferença é que nesse último tipo, o mal se esconde nas razões de estado e em supostas causas nobres que visam justificá-lo, o que não ocorre com o mal doméstico que não se utiliza de disfarces, o que o torna mais assustador.
Passemos agora para uma abordagem histórica sobre o problema do mal, verificando como ele foi abordado ao longo do tempo. Desde os primórdios da humanidade, acreditava-se que o mal era desígnio dos deuses, não havendo, portanto, nada a se fazer a não ser resignar-se. Estudos indicam que foi o filósofo grego Xenófanes de Cólofon (560 – 478 a.C) o primeiro a se insurgir contra os deuses. Concluiu que o mal perpassa todo o universo e da sua força nem eles mesmos escapam. Foi, porém, o cristianismo que trabalhou com maior profundidade o tema. Os filósofos gregos não se dedicaram muito sobre a noção do mal. O estoicismo, escola de pensamento grega e latina que pregava a aceitação serena do mundo, praticamente negava a noção do mal. Epicteto, um dos mestres estóicos, dizia que “a natureza do mal não existe no mundo, pois não se concebe um fim destinado a não se realizar”. O estoicismo pregava a boa vida, reconciliada com o mundo tal como ele é. Aristóteles, principalmente em sua obra “Ética a Nicômaco”, preocupava-se, sobretudo, com a virtude. Durante muito tempo a filosofia considerou que a concepção de mal seria um problema da teologia.
O tratamento religioso sobre o assunto enfoca, principalmente, as escolhas individuais. O mal é visto como fruto do orgulho do homem. Ao se considerar auto-suficiente, uma espécie de divindade, a pessoa se vê no direito de humilhar, prejudicar, matar a outra. O problema colocado para os religiosos é a resposta para a seguinte pergunta: se Deus é bom, por que coisas más acontecem também às pessoas boas e justas? Santo Agostinho, pensador do cristianismo, dizia que “se bons e maus sofrem igualmente, é para que os primeiros possam provar sua virtude”. Para ele, é a atitude piedosa diante do infortúnio é que faz a diferença.
O mal da natureza também influenciou nesse tipo de questionamento. Desastres naturais como o terremoto de Lisboa em 1755 fizeram com que os filósofos começassem a acreditar que o universo (ou Deus) era mau, abalando idéias anteriores, como as de Leibniz, segundo as quais o universo era organizado em torno do bem. Posteriormente, o naturalista inglês Charles Darwin, pai da teoria da evolução, refutou a idéia de uma natureza criada por um Deus bondoso, citando o exemplo de uma vespa que paralisa outros insetos para que sejam comidos vivos por suas larvas, concluindo que um Deus bondoso jamais teria criado uma criatura assim.
Agora, se Leibniz defende Deus do problema do mal para assegurar que Ele é responsável pela ordem no mundo, o primeiro filósofo a defender o Criador, mas eximi-lo do mal que existe no mundo foi Rousseau. Até Rousseau, havia duas alternativas para o problema do mal: ou existe ou não há resposta para ele. Para Rousseau, o mal existe e a responsável por sua existência é a humanidade.
Kant foi um dos filósofos que começou a trabalhar uma dimensão laica do mal. Em sua obra “A Religião nos Limites da Simples Razão”, tratou do chamado “mal radical”, conceito intimamente ligado ao problema da liberdade e de uma predisposição natural do homem a inclinar-se a ceder às suas apetições. Tal conotação influenciou a filósofa Hannah Arendt, que após a Segunda Guerra Mundial, com o holocausto nazista, trabalhou uma nova concepção de mal, no contexto das perversas ideologias do totalitarismo. Sua conhecida expressão “Banalidade do mal” teve por objetivo indicar que alguns indivíduos agem dentro das regras do sistema a que pertencem sem racionalizar sobre seus atos.
A partir da segunda metade do século XX, as explicações começaram a se tornar objeto de estudo da sociologia, das ciências biológicas e da psicologia. A figura do psicopata (pessoa que entende a diferença entre o bem e o mal, mas é desprovida de emoções ligadas ao senso moral, como a piedade), por exemplo, passou a ser bastante pesquisada. Com a ajuda de técnicas como a ressonância magnética funcional, é possível mapear as áreas do cérebro responsáveis pelas decisões morais, que no caso dos psicopatas, irão apresentar atividade bastante reduzida. As causas do distúrbio ainda não são compreendidas e como bem afirma o neurocientista Jorge Moll Neto, do Instituto de Pesquisa da Rede Lans – D’Or, do Rio de Janeiro, “o mal é um conceito humano, social. A neurociência não pode dizer o que é ou não mau”. Não sendo, portanto, todo mal fruto de uma falha neuroquímica, a psicologia social, buscou explicar o mal em grande escala, como ocorre nos genocídios e no tratamento dos prisioneiros de guerra. Ao estudar o poder de algumas organizações coletivas de induzirem pessoas comuns a colaborarem com atos criminosos, constatou-se algo não muito agradável para a natureza humana: a tendência das pessoas de se conformar à pressão do grupo social pode levá-las, com relativa facilidade, a praticarem crimes.
Diante dessa breve análise histórica, podemos perceber que o mal já passou por várias conotações e entendimentos ao longo dos anos. Várias são as ferramentas usadas para tentar inibi-lo. O Direito é uma delas, estabelecendo crimes e punições cada vez mais severas, acompanhando as necessidades de tutela conforme o contexto em que se vive. Em alguns casos ele se mostra eficaz no combate ao mal. Em outros, não. O que constatamos é que nenhuma ferramenta, nenhuma teoria, nenhuma explicação é apta o suficiente para amenizar os traumas que o mal, em todas as suas formas, tem deixado na vida de suas inúmeras vítimas, restando, talvez uma única certeza: o problema do mal é irreversível.

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Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

Deve torturar o rapaz em busca das informações abandonando assim o respeito à dignidade humana, sobrepondo o comunitarismo em face do liberalismo, ou até mesmo praticando um ato ilegal, que resultará na salvação de muitas outras vidas? O que você faria?

Em que momento um ser humano realizou o ato mais cruel?

Qual é o pior dos sete pecados capitais?

Qual sua opinião a respeito da legalização do uso de drogas?