É possível Lutar contra os Males – Ser Kairós, e não apenas khrónos.
JUVENAL ARDUINI:
“Nossa gente reclama Diákrisis. Exige decisão criadora para gerarmos outra história, outra vida, outra esperança. Este é o apelo fascinante que deciframos no rosto padecido de nosso povo injustiçado, mas ainda não desesperado.”
O autor identifica que o “fatalismo cronológico difunde a crença da imutabilidade histórico-social. Leva a acreditar que o tempo traça o destino humano. Dessa forma, os grupos fracos e dependentes sentem-se impotentes. E as vítimas sociais não teriam força para modificar a sociedade que as esmaga. Não adiantaria lutar contra o tempo. Por isso, os que se enriquecem com a atual sociedade injusta tentam mostrar que é inútil querer transformá-la. Nada imobiliza tanto os empobrecidos como incutir-lhes a ideia de que é impossível mudar o país.
Mas a verdade é outra. Leis, organizações, programas governamentais, tramas políticas, desemprego, privilégios de uns e carências de outros, reformas e medidas protecionistas são produto de decisão e ação das pessoas, de grupos e nações. Setores organizados lutam ferozmente para impedir mudanças sociais, para sobrepor seus lucros às necessidades da população. Não há fatalismo cronológico. Pode haver banditismo social, político e econômico no plano nacional e internacional.
Há que cultivar a reflexão e a práxis “emancipatória”, de que fala o filósofo J. Habermas. O ser humano precisa desalienar-se, adquirir senso crítico, decidir-se e participar. Não se pode transferir sua responsabilidade ao tempo. Em todo ser humano existe potencial emancipatório.
Não basta mudar o curso do tempo. Há que mudar a vida da humanidade aviltada. É urgente construir a história da justiça, em vez da história da desigualdade; construir a história da dignidade, em vez da história da miséria; construir a história da maioria silenciada, em vez da história da minoria falante. A história não está encerrada . E a sociedade brasileira há de acelerar o rítmo de gênese. E ter ousadia para reinventar-se.
O agente histórico é o homem, e não o tempo. Durante o mesmo período de tempo, pode haver grandes conquistas e grandes retrocessos, pode ser criada técnica para curar enfermidades e também nova técnica para mutilar vidas. Na mesma época, coexistiram a terna Tereza, de Calcutá, e o cruel Augusto Pinochet.
Perante o tempo, nossa atitude deve ser mais de iniciativa do que de expectativa. Há que tecer os acontecimentos, em vez de esperar que surjam automaticamente. Importa ser agente e não só espectador da história. O fatalismo cronológico esvazia a ação humana, porque atribui ao tempo a destinação histórica. Com essa mentalidade, o ser humano apassiva-se. Espera de braços cruzados. Aguardar pode ser cômodo, mas não é eficaz.
O filósofo Jurgen Habermas abre análise elucidativa. Em seu livro Textos e contextos, lembra que Hitler, Charles Chaplin, Winttgenstein e Hidegger nasceram no mesmo ano de 1889, mas criaram “destinos” diferentes e, até, opostos. Hitler foi o ditador feroz, exterminador de milhões de vidas humanas. Chaplin, em nome da inteligência e da liberdade, estimatizou o tirano com o filme O grande ditador. Wittgenstein nasceu de família judaica. Especialista em matemática, tornou-se o filósofo da linguagem. Paradoxal. Místico, anustiado, Wittgenstein escreve a Bertrand Russel: “Sinto-me a um passo da loucura”. Heidegger foi filósofo do Sentido do saber. Pensador denso, referência obrigatória para a filosofia. Não demonstrava tormento psicológico, como Wittgenstein. Mas cortejou o nazismo.
São quatro figuras históricas nascidas no mesmo ano, mas com biografias heterogêneas e contrastante. Isto mostra que seres humanos da mesma época podem construir rumos, vidas e histórias com significados deferentes e até contraditórios. O fundamental não é o fluir do tempo, mas a Diákrisis, a ação de decidir. É a Diákrisis, a decisão criativa que gera a história, cultura, economia, política, educação, tecnologia e transformação de sistemas. Se o tempo plasmasse a humanidade, os habitantes da mesma era seriam todos iguais.
Nossa gente reclama Diákrisis. Exige decisão corajosa e iniciativa criadora para gerarmos outra história, outra vida, outra esperança. Este é o apelo fascinante que deciframos no rosto padecido de nosso povo injustiçado, mas ainda não desesperado.” (GRIFEI).
Extratos da Obra: ARDUINI, Juvenal. Ousar para reinventar a humanidade. São Paulo, Paulus, 2002, p. 13-19.