sábado, 7 de novembro de 2009

O “homem na jaula” : cidadão ou mal social?


“(...) então compreendi que os homens não se podem dividir em bons e maus, tampouco em livres e encarcerados, porque há fora do cárcere prisioneiros mais prisioneiros do que os que estão dentro e há, dentro do cárcere, mais libertos dos que estão fora. Encarcerados somos todos entre os muros do nosso egoísmo”.
Carnelutti

“O ser humano, na medida em que goze de certos direitos na sociedade civil, é chamado pessoa”.

Art. 1º, I do Código Prussiano


Como a sociedade e o Estado reconhecem o encarcerado? Como cidadão que, mediante seu comportamento, lesou a vigência da norma e que por essa razão será chamado de modo coercitivo, ou como inimigo social, adversário do ordenamento jurídico?

A filosofia aborda o problema.

Rousseau afirma que o “malfeitor” que agride o “Direito Social” deixa de ser “membro” do Estado, porque se encontra em guerra com este. A conseqüência é: “faz-se o culpado morrer menos como cidadão do Estado (citoyen) do que como inimigo (ennemi)”. Fichte, de forma semelhante argumenta: “quem, por vontade ou imprudência, abandona o contrato civil numa parte em que, no contrato, contava-se com sua ponderação, perde, a rigor, todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, quedando-se destituído de direitos”. Para ele, o “condenado é declarado como coisa, uma cabeça de gado”. Fichte prossegue afirmando que a execução do criminoso “não é uma pena, mas apenas um meio de asseguramento”. Rousseau e Fichte, que fundamentam o Estado através de um contrato, distinguem radicalmente o cidadão, de um lado e, de outro, o criminoso. Ambos os teóricos vêem o condenado como um inimigo que se deve destruir.

Diferentemente Hobbes, teórico do contrato social, em suas proposições não retirou do criminoso o seu papel de cidadão. Também Kant, em seu escrito “Para a Paz Perpétua” mantém o status de pessoa do condenado, a favor dos que não delinqüem de modo contumaz.

Para Jakobs, o inimigo é um indivíduo que em sua postura afastou-se do Direito e, nesse sentido, não garante a segurança cognitiva mínima de um comportamento típico de pessoa. Nessa linguagem, o Estado não fala com seus cidadãos, mas ameaça seus inimigos.

A possibilidade alcançada pelos homens de viverem em paz é o tema da civilização e da humanidade, para Francesco Carnelutti. Tem-se a ilusão de que os delinqüentes sejam aqueles que perturbam a paz e a perturbação se elimina separando-os dos outros. Assim, o mundo se divide em dois setores: o dos civilizados e o dos incivilizados.

O jurista italiano vai além e problematiza: “afinal, como se faz para distinguir os incivilizados dos civilizados na medida do frágil juízo humano?”. Para Carnelutti, “a experiência penal ensina que a penitenciária não é de fato diferente do resto do mundo, tanto, no sentido que também a penitenciária é o mundo, como no sentido que também o resto do mundo é uma grande casa de pena. A idéia de dentro estarem somente canalhas e fora somente honestos não é mais que uma ilusão; aliás, ilusão é que um homem possa ser todo canalha ou todo honesto”.

“O homem acorrentado, ou o homem na jaula é a verdade do homem. O direito não faz mais que revelá-la”. No entanto, faz-se necessário conduzir a sociedade pós-moderna a reconhecer o encarcerado como sujeito de direitos, afastando-lhe a condição de inimigo, conservando-lhe o status de cidadão. O “homem na jaula” tem o direito de acertar-se novamente com a sociedade e o ordenamento jurídico.

http://g1.globo.com/bomdiabrasil/0,,MUL1358993-16020,00-CADEIAS+DO+ESPIRITO+SANTO+CONTINUAM+EM+COLAPSO.html

http://jornalnacional.globo.com/Telejornais/JN/0,,MUL1363996-10406,00-SC+VAI+AFASTAR+ENVOLVIDOS+EM+TORTURA.html

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Expressão de Francesco Carnelutti. As misérias do Processo Penal
Günther Jakobs. Direito Penal do Inimigo

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Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

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