quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A universalidade ética para o combate do mal


A cultura justifica o problema do mal? É válido reconhecermos o derramamento de sangue em nome da tradição? A prática do infanticídio nas comunidades indígenas deve ser tolerada com base na diversidade cultural e no relativismo ético? E se o mal decorrer da cultura? Estão os direitos humanos subordinados à diversidade cultural? Ou a diversidade cultural encontra-se submetida ao valor inerente, inalienável e inviolável dos direitos humanos? Se os direitos humanos são inatos e naturais e a condição universal da liberdade é antes de tudo direitos humanos, como reconhecê-los nas desigualdades culturais?

Para Platão, uma vida não questionada não merece ser vivida. Nesse sentido, discutiremos o relativismo cultural radical, para alcançar um diálogo com a universalidade ética, reafirmando o valor inato e inerente dos direitos humanos.


“Considerar ‘igualmente válidos’ o parricídio e a benevolência com os mais velhos, a mutilação clitoridiana e a emancipação da mulher, o sacrifício ritual e o respeito aos direitos humanos, não é suspender o julgamento – é aprovar a prática injusta.”
Rouanet

"O ser humano age externamente de tal modo que o uso livre de teu livre arbítrio possa coexistir com a liberdade de cada um segundo uma lei universal."
Kant


Na Índia, a predileção por filhos homens leva a grávida a abortar se descobre que gerou uma mulher. Em Benin, na África, não precisa muito para uma criança ser sentenciada à morte. Basta que na hora do parto, saiam primeiro os pés, os ombros ou as nádegas. Se a cabeça sair primeiro, mas com o rosto virado para baixo, se a mãe morrer no parto, se os dentes inferiores nascerem primeiro, ou se não nascerem dentes antes dos 8 meses, a criança também será executada.

No Brasil, crianças indígenas são enterradas vivas, sufocadas com folhas, envenenadas ou abandonadas para morrer na floresta. Mães dedicadas são forçadas pela tradição cultural a desistir de seus próprios filhos. Muitas são as razões para o infanticídio indígena: crianças portadoras de deficiência física ou mental, bem como gêmeos, crianças nascidas de relações extraconjugais, ou consideradas portadoras de má-sorte para a comunidade. Em algumas comunidades indígenas, a mãe pode matar um recém-nascido, caso ainda esteja amamentando outro, ou se o sexo do bebê não for o esperado. Para os mehinaco (Xingu) o nascimento de gêmeos ou crianças anômalas indica promiscuidade da mulher durante a gestação. Ela é punida e os filhos, enterrados vivos.

A cultura, no entanto, não se autojustifica. A tolerância universal, justificada pelo apelo à diferença cultural, pode encobrir práticas perversas. As crianças indígenas, sem a necessária capacidade de autodeterminação, são submetidas à violação de seus direitos, especialmente o direito à vida, sob o argumento que práticas culturais não devem sofrer interferência.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, ressalta em seu preâmbulo, o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Reconhece ainda o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos que resultem em atos bárbaros que ultrajam a consciência da Humanidade. Reafirma o respeito universal aos direitos humanos, à dignidade, ao valor da pessoa e às liberdades fundamentais.

Nessa perspectiva, os direitos humanos não estariam subordinados à diversidade cultural. Os direitos humanos, como consenso da comunidade internacional, estabelecem um padrão legal de proteção mínima à dignidade humana. Assim, a violação de um direito humano é sempre condenável, independente da cultura do violador.

Direitos culturais são legítimos, mas não são ilimitados. O direito à diversidade cultural é limitado até o ponto em que infringe qualquer outro direito humano. Significa dizer que o direito à diversidade cultural indígena não pode ser evocado para justificar a violação do direito à vida das crianças indígenas. Direitos culturais não podem ser usados para legitimar práticas como a escravidão, tortura, genocídio. Também não poderão ser evocados para a prática do infanticídio, nas comunidades indígenas.iii

Os direitos humanos apresentam flexibilidade suficiente para respeitar e proteger a diversidade e a integridade cultural. No entanto, faz-se necessário invocar uma universalidade ética, reconhecendo o direito à vida das crianças indígenas como direitos humanos universalmente válidos e o seu desrespeito como prática cultural nociva a ser atacada e limitada pelos homens e a sociedade.


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Rouanet. Antropologia e Ética.
Immanuel Kant. Metafísica dos costumes.
Márcia Suzuki. Quebrando o Silêncio, 2007.

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Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

Deve torturar o rapaz em busca das informações abandonando assim o respeito à dignidade humana, sobrepondo o comunitarismo em face do liberalismo, ou até mesmo praticando um ato ilegal, que resultará na salvação de muitas outras vidas? O que você faria?

Em que momento um ser humano realizou o ato mais cruel?

Qual é o pior dos sete pecados capitais?

Qual sua opinião a respeito da legalização do uso de drogas?