terça-feira, 10 de novembro de 2009

Mudar, para não mudar?

Ao ouvir meu professor de direito processual civil, dizer sobre a possível elaboração de um novo Código de Processo Civil e a comissão designada para tal feito me senti ao mesmo tempo surpresa e cética.
Nosso atual CPC data de 1973, também denominado Código Buzaid, pois Alfredo Buzaid foi um dos seus mais importantes mentores. Buzaid era um aluno brilhante que se destacava em meio aos seus colegas, tinha como professor Enrico Tullio Liebman (italiano que veio a residir no Brasil, fugindo do regime fascista de Mussolini). Liebman por sua vez fora aluno de Chiovenda que por sua vez fora aluno de Wach que fora aluno de Bülow, autor da Teoria do Processo como Relação Jurídica. Tendo em vista toda esta retrospectiva, forçoso é concluir que a teoria que inspirou a elaboração do CPC/73 foi a então Teoria do Processo como Relação Jurídica.
Segundo o estudo das Teorias do Processo elaboradas posteriormente a esta em questão, a Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório de Elio Fazzalari, a Teoria Constitucionalista de José Alfredo de Oliveira Baracho, Ítalo Andolina, Giuseppe Vignera, Hector Fix-Zamudio e por fim a Teoria Neo-institucionalista do Processo de Rosemiro Pereira Leal, percebemos que a teoria que evidencia como substrato teórico de nosso atual CPC, favorece o arbítrio do juiz (aquele sujeito que representa o juízo – órgão judicante/estatal) o que não se coaduna com a forma pela qual se constitui a República Federativa do Brasil, ou seja, com o Estado de Direito Democrático, visto que nessa modalidade estatal quem deve construir o provimento final em um litígio judicial são as partes, mediante as garantias constitucionais do devido processo legal, como: contraditório, ampla defesa, isonomia, assistência do advogado, juízo natural, fundamentação das decisões jurídicas, duração razoável do procedimento, dentre outros.
Segundo lição do professor Rosemiro Pereira Leal:

"Quando se colocava historicamente a jurisdição como fenômeno criador do processo nas épocas pretorianas, tal como o faz até hoje a chamada Escola Instrumentalista ou da Relação Jurídica, sem considerar o adensamento dos princípios do Processo por ampliação das conquistas teóricas dos direitos fundamentais da personalidade, da ampla defesa, do contraditório, da isonomia, do devido processo legal, afirmam-se os velhos institutos do direito administrativo, que têm apoio no princípio da continuidade da função administrativa, como fundamento da existência do Estado, influindo na conceituação do Direito Processual. Entretanto, seria hoje absolutamente impróprio admitir qualquer resquício de arbítrio ou discricionariedade no exercício da função jurisdicional que já não se faz por si mesma, aos moldes da concepção voluntarista do século passado, mas decorre da existência ativadora da estrutura normativa processual que tem suas raízes nos direitos fundamentais já constitucionalizados em diversos países do mundo, como é o caso do Brasil".

A despeito da Teoria do Processo como Relação Jurídica, a qual subsidiou a elaboração do então código vigente, do ponto de vista técnico, a redação do CPC, fracionada em V livros (Livro I – Do Processo de Conhecimento / Livro II – Do Processo de Execução / Livro III – Do Processo Cautelar / Livro IV – Dos Procedimentos Especiais e Livro V – Das Disposições Finais e Transitórias), não há que se tecer maiores críticas.
Migrando do âmbito técnico-científico para o âmbito prático (o mundo real), se verifica uma inflação de processos os quais na grande e esmagadora maioria das vezes não obtém a devida prestação jurisdicional em tempo hábil havendo então a tão propalada morosidade processual e em razão desse fato, a sociedade clama por celeridade processual. Os legisladores respondem a esse clamor realizando sua função precípua, qual seja, elaborar leis. Desse modo o CPC vem sendo alvo de constantes reformas legislativas, desde que entrou em vigor, segundo consta em artigo de autoria do professor Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, elas já resultam em número superior a 450 em menos de 40 anos de vigência do mencionado CPC.
Essas modificações, reformas, operam no sentido da celeridade processual a despeito do Princípio da Segurança Jurídica e da garantia constitucional do devido processo legal, favorecendo sobremaneira o arbítrio do julgador, como anteriormente mencionamos.
Todavia, ao contrário do que esses legisladores querem nos fazer crer, a “culpa” desta falha da prestação da atividade jurisdicional não é do CPC e sim do modo pelo qual se estrutura a gestão da função judiciária (poder judiciário). Logo, devemos vindicar sim, mas, pela melhoria e mudanças na estrutura organizacional do judiciário “com número de juízes em proporção adequada à população que atendem e ao número de processos neles em curso, dotando-se-lhes de recursos materiais suficientes e de pessoal treinado e tecnicamente qualificado” (Brêtas, 2009) e evitar as etapas mortas do processo, isto é, a inatividade processual durante a qual os autos ou expedientes forenses permanecem paralisados nos escaninhos forenses, e, claro, pela mudança de mentalidade e da formação técnica dos operadores ou práticos do direito.
É justamente nesse ponto que quero tocar, o qual me deixou surpresa e cética. A comissão responsável pela elaboração do anti-projeto de um possível novo CPC, escolhida pelo então presidente do Senado Federal, José Sarney, sem dúvida é composta por ilibados juristas, todos certamente de notório saber jurídico, tais como: Luiz Fux, Adroaldo Furtado Fabrício, Bruno Dantas, Elpídio Donizete Nunes, Humberto Theodoro Junior, Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro e Teresa Arruda Alvim Wambier. No entanto, como podemos depreender de suas produções científicas como, por exemplo, suas afirmações em seus manuais de Teoria do Processo, a maioria deles ainda possui uma mentalidade retrógrada no que tange a Teoria do Processo, quero dizer que eles ainda fundamentam suas idéias e teses jurídicas sob o fulcro da provecta Teoria do Processo como Relação Jurídica. Então nos perguntamos, porque a escolha destes e não de também outros não menos aviltantes cientistas do direito, como entre nós mineiros Rosemiro Pereira Leal, Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias, José Marcos Rodrigues Vieira, Fernando Horta Tavares, Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira, dentre outros tantos.
Será que o direito/dever de escolha de uma comissão tão relevante como esta não deveria passar pelo “debate amplo e prévio de setores especializados da sociedade brasileira (Faculdades de Direito, Escolas Judiciais, Escolas de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil, Escolas do Ministério Público)” ? (Brêtas, 2009)
Como fica a democracia? Devemos continuar primando pela celeridade a qualquer custo em detrimento da segurança jurídica e do devido processo legal? Até porque como nos ensina o professor Marcelo Galuppo, ao transcrever as idéias habermasianas:

"Um ordenamento só é legítimo se garantir mecanismos de igual participação na produção do próprio direito, de forma que os destinatários se percebam, simultaneamente, como seus próprios autores".

Desse modo, aonde vamos parar? Mudar para não mudar. Será essa a solução mais viável para garantir a todos cidadãos uma sociedade democrática, justa, livre e solidária?

Referências Bibliográficas:
LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 7ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2008.
GALUPPO, Marcelo Campos. Igualdade e diferença: Estado Democrático de Direito a partir do pensamento de Habermas. 1ª ed. Belo Horizonte. 2002.
DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho; NEPOMUCENO, Luciana Diniz. Processo civil reformado. 2ª ed. Belo Horizonte. Del Rey. 2009.

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