quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Ira, o mais mortal dos Pecados


Ao contrário do que nos ensina o senso comum, os pecados capitais não surgem na bíblia. Tendo surgido mais de 300 anos após o novo testamento, os pecados capitais originariamente compunham uma lista das oito mais perigosas tentações da alma humana, criadas por Evagrius Ponticus nos desertos do Egito. Codificados apenas no ano 590, o Papa Gregório fez uma seleção do que conhecemos hoje como os sete pecados capitais.

Como o único pecado que pode levar realmente à morte, a Ira é talvez também o mais importante. Em várias passagens bíblicas, o próprio criador se mostra dominado por tal sentimento, o que leva a consequências desastrosas. Interessante citar três histórias, em que se pode perceber uma evolução deste pecado tão mortal.

Pode-se dizer que na “Gênesis” ninguém se mostra mais irado que Deus. No capítulo 6 Deus fica furioso contra sua própria criação e decide recomeçar: manda uma chuva terrível que perdura por 40 dias e 40 noites, com o intuito de inundar a terra e destruir toda e qualquer coisa viva, permitindo a sobrevivência de um único homem bom e sua mulher.

No capítulo 11, percebe-se um maior controle de Deus sobre sua fúria, que recai agora não sobre todos os seres, mas sobre a humanidade. Nessa passagem, os homens construíram a torre de Babel como uma tentativa de subir os céus. Deus, considerando a tentativa ofensiva, mostra sua fúria ao destruir a torre e espalhar as pessoas pelo mundo.

Já no capítulo 18, Deus se mostra furioso não com toda a humanidade, mas apenas com os moradores de Sodoma e Gomorra, tendo destruído as cidades e todos seus habitantes com fogo e enxofre descido do céu.

Também outras manifestações da Ira são encaradas como perfeitamente normais, intrínsecas ao ser humano, como as passagens do Êxodo, em que a de fúria de Moisés acaba não sendo punida por Deus.

Na Bíblia Cristã, no entanto, o pecado da Ira começa a ser visto de uma nova perspectiva: o Rei de Israel, ao saber da profecia sobre o nascimento de um novo rei dos judeus, se enche de fúria com a possibilidade de perder o trono e mata milhares de crianças inocentes, todos bebês da mesma idade que o menino rei e que se encontravam em Belém e seus arredores. A partir de tão odiosa conduta, a ira passa a ser vista aliada a um sentimento de repúdio.

Na tradição judaico-cristã imerge nova visão de pecado, principalmente da ira: Satã - uma figura vaga e sombria no velho testamento, mas um demônio extraordinário no novo. De acordo com a nova visão, só ele poderia fazer alguém cometer ato tão barbárie, tendo se tornado a fonte de todo o mal e pecado no mundo.

A figura de Satã se contrapõe a figura de Jesus, que encoraja seus seguidores a dar outra interpretação ao sentimento da Ira. Jesus ensina a seus fiéis a superar a vingança e a Ira, pois nem quando é torturado e crucificado se deixa influenciar por ela, pedindo sempre ao criador que perdoe aqueles que não sabem o que fazem.

Várias são as vertentes religiosas a respeito da ira. Algumas consideram como pecado o próprio sentimento, enquanto outras consideram assim somente suas consequências. Mas com relação ao pecador, pode-se dizer que praticamente todas concordam que aquele que não transforma sua ira está condenado ao inferno (levando em conta os diferentes conceitos de inferno).

Há quem creia ainda que a Ira tenha levado à internação do inferno na vida terrena: a guerra. Esta ligação (ira/guerra) aparece já na Ilíada de Homero, que é por excelência um cenário de manifestação do furor, da ira guerreira que campeou pela Grécia bárbara. A figura de Aquiles se projeta nesse cenário como o semideus que é toda uma representação dessa fúria, e nele se concentram os impulsos sexuais e agressivos. Por séculos a narrativa dessa guerra serviu para mostrar como as consequências da Ira são terríveis e devem ser evitadas.

É indiscutível que a Ira leva as pessoas a cometer "o mal".Ocorre que apesar de séculos nessa tentativa de controlar a Ira (conforme brevemente relatado), ela está presente todos os dias nos jornais, e até mesmo no cotidiano das pessoas. Além das guerras, inúmeros são os relatos de violência, agressões, assassinatos por motivo de vingança e crimes de paixão. É quando se percebe que a Ira continua a gerar consequências desastrosas à humanidade.



Enquanto para a vingança há sempre energia disponível, para combater consequências tão negativas, disponível está só a preguiça...



3 comentários:

  1. Parabéns pela competente abordagem filosófico-religiosa!
    Conforme exposto no texto, a Ira é capaz de levar alguém à cometer algum mal. Contudo, a Paz interior, Paz de espírito é capaz de nos iluminar, prorcionando-nos sabedoria para evitarmos o cometimento de um mal qualquer. Conscientes disso, nós, seres humanos, precisamos identificar qual é a melhor forma de sentirmos felizes para alcançar a Paz Interior a fim de não praticarmos mal algum, e, melhor ainda, praticarmos, cada vez mais, o "BEM".

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  2. É engraçado pensar, mas vcs já repararam como a Bíblica História de Sodoma e Gomorra (Novo Testamento), destruídas por Deus com "fogo e enxofre descidos do céu", se assemelha a Verdeira História de Pompéia e Herculano, destruídas no ano 79 d.C pelo vulcão Vesúvio (fogo e enxofre descidos de 1281 metros de altura, ou, do céu)? Seria só coincidência?

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  3. Bom se Daniele acha que a sorte de Sodoma e Gomorra se assemelha à sorte de Pompéia e Herculano, o que dizer então da sorte de Hiroshi ma e Nagasaki? Me faz pensar que esse padrão já se repetiu mais do que conhemos realmente, talvez em mini-Sodomas e Gomorras, uma varredura que se repete sempre sob o pretexto de de faxinar e purificar o que foi destruído. Tem muito mais ira por aí do que conhece anossa vâ filosofia...
    Cris

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Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

Deve torturar o rapaz em busca das informações abandonando assim o respeito à dignidade humana, sobrepondo o comunitarismo em face do liberalismo, ou até mesmo praticando um ato ilegal, que resultará na salvação de muitas outras vidas? O que você faria?

Em que momento um ser humano realizou o ato mais cruel?

Qual é o pior dos sete pecados capitais?

Qual sua opinião a respeito da legalização do uso de drogas?