Ao contrário do que nos ensina o senso comum, os pecados capitais não surgem na bíblia. Tendo surgido mais de 300 anos após o novo testamento, os pecados capitais originariamente compunham uma lista das oito mais perigosas tentações da alma humana, criadas por Evagrius Ponticus nos desertos do Egito. Codificados apenas no ano 590, o Papa Gregório fez uma seleção do que conhecemos hoje como os sete pecados capitais.
Como o único pecado que pode levar realmente à morte, a Ira é talvez também o mais importante. Em várias passagens bíblicas, o próprio criador se mostra dominado por tal sentimento, o que leva a consequências desastrosas. Interessante citar três histórias, em que se pode perceber uma evolução deste pecado tão mortal.
Pode-se dizer que na “Gênesis” ninguém se mostra mais irado que Deus. No capítulo 6 Deus fica furioso contra sua própria criação e decide recomeçar: manda uma chuva terrível que perdura por 40 dias e 40 noites, com o intuito de inundar a terra e destruir toda e qualquer coisa viva, permitindo a sobrevivência de um único homem bom e sua mulher.
No capítulo 11, percebe-se um maior controle de Deus sobre sua fúria, que recai agora não sobre todos os seres, mas sobre a humanidade. Nessa passagem, os homens construíram a torre de Babel como uma tentativa de subir os céus. Deus, considerando a tentativa ofensiva, mostra sua fúria ao destruir a torre e espalhar as pessoas pelo mundo.
Já no capítulo 18, Deus se mostra furioso não com toda a humanidade, mas apenas com os moradores de Sodoma e Gomorra, tendo destruído as cidades e todos seus habitantes com fogo e enxofre descido do céu.
Também outras manifestações da Ira são encaradas como perfeitamente normais, intrínsecas ao ser humano, como as passagens do Êxodo, em que a de fúria de Moisés acaba não sendo punida por Deus.
Na Bíblia Cristã, no entanto, o pecado da Ira começa a ser visto de uma nova perspectiva: o Rei de Israel, ao saber da profecia sobre o nascimento de um novo rei dos judeus, se enche de fúria com a possibilidade de perder o trono e mata milhares de crianças inocentes, todos bebês da mesma idade que o menino rei e que se encontravam em Belém e seus arredores. A partir de tão odiosa conduta, a ira passa a ser vista aliada a um sentimento de repúdio.
Na tradição judaico-cristã imerge nova visão de pecado, principalmente da ira: Satã - uma figura vaga e sombria no velho testamento, mas um demônio extraordinário no novo. De acordo com a nova visão, só ele poderia fazer alguém cometer ato tão barbárie, tendo se tornado a fonte de todo o mal e pecado no mundo.
A figura de Satã se contrapõe a figura de Jesus, que encoraja seus seguidores a dar outra interpretação ao sentimento da Ira. Jesus ensina a seus fiéis a superar a vingança e a Ira, pois nem quando é torturado e crucificado se deixa influenciar por ela, pedindo sempre ao criador que perdoe aqueles que não sabem o que fazem.
Várias são as vertentes religiosas a respeito da ira. Algumas consideram como pecado o próprio sentimento, enquanto outras consideram assim somente suas consequências. Mas com relação ao pecador, pode-se dizer que praticamente todas concordam que aquele que não transforma sua ira está condenado ao inferno (levando em conta os diferentes conceitos de inferno).
Há quem creia ainda que a Ira tenha levado à internação do inferno na vida terrena: a guerra. Esta ligação (ira/guerra) aparece já na Ilíada de Homero, que é por excelência um cenário de manifestação do furor, da ira guerreira que campeou pela Grécia bárbara. A figura de Aquiles se projeta nesse cenário como o semideus que é toda uma representação dessa fúria, e nele se concentram os impulsos sexuais e agressivos. Por séculos a narrativa dessa guerra serviu para mostrar como as consequências da Ira são terríveis e devem ser evitadas.
É indiscutível que a Ira leva as pessoas a cometer "o mal".Ocorre que apesar de séculos nessa tentativa de controlar a Ira (conforme brevemente relatado), ela está presente todos os dias nos jornais, e até mesmo no cotidiano das pessoas. Além das guerras, inúmeros são os relatos de violência, agressões, assassinatos por motivo de vingança e crimes de paixão. É quando se percebe que a Ira continua a gerar consequências desastrosas à humanidade.
Enquanto para a vingança há sempre energia disponível, para combater consequências tão negativas, disponível está só a preguiça...
Parabéns pela competente abordagem filosófico-religiosa!
ResponderExcluirConforme exposto no texto, a Ira é capaz de levar alguém à cometer algum mal. Contudo, a Paz interior, Paz de espírito é capaz de nos iluminar, prorcionando-nos sabedoria para evitarmos o cometimento de um mal qualquer. Conscientes disso, nós, seres humanos, precisamos identificar qual é a melhor forma de sentirmos felizes para alcançar a Paz Interior a fim de não praticarmos mal algum, e, melhor ainda, praticarmos, cada vez mais, o "BEM".
É engraçado pensar, mas vcs já repararam como a Bíblica História de Sodoma e Gomorra (Novo Testamento), destruídas por Deus com "fogo e enxofre descidos do céu", se assemelha a Verdeira História de Pompéia e Herculano, destruídas no ano 79 d.C pelo vulcão Vesúvio (fogo e enxofre descidos de 1281 metros de altura, ou, do céu)? Seria só coincidência?
ResponderExcluirBom se Daniele acha que a sorte de Sodoma e Gomorra se assemelha à sorte de Pompéia e Herculano, o que dizer então da sorte de Hiroshi ma e Nagasaki? Me faz pensar que esse padrão já se repetiu mais do que conhemos realmente, talvez em mini-Sodomas e Gomorras, uma varredura que se repete sempre sob o pretexto de de faxinar e purificar o que foi destruído. Tem muito mais ira por aí do que conhece anossa vâ filosofia...
ResponderExcluirCris