terça-feira, 13 de outubro de 2009

O ESTABELECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE: A QUESTÃO DO MAL NO SURGIMENTO DA DESIGUALDADE E DA SOCIEDADE CIVIL
Jean Jacques Rousseau e Pierre Clastres



Nas sábias palavras do grande contratualista genebriano Jean Jacques Rousseau, “o primeiro que, cercando um terreno, se lembrou de dizer: isto me pertence, e encontrou criaturas suficientemente simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Que de crimes, de guerras, de assassinatos, que de misérias e de horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, desarraigando as estacas ou atulhando o fosso, tivesse gritado aos seus semelhantes: “guardai-vos de escutar esse impostor! Estais perdidos se vos esqueceis de que os frutos a todos pertencem e de que a terra é de ninguém!”

No esforço para expor a origem e o progresso da desigualdade Rousseau identificou o estabelecimento da lei e do direito de propriedade como o primeiro termo, de sorte que o estado de rico e de pobre foi autorizado nesta primeira época do desenvolvimento da desigualdade.

O direito de propriedade é fruto da convenção e instituição humanas, criado, segundo Rousseau, com o surgimento da sociedade civil, que começada exigia dos homens qualidades diferentes das que eles possuíam de sua constituição primitiva. Começando a moralidade a introduzir-se nas ações humanas, e sendo cada qual , antes das leis, o único juiz e vingador das ofensa recebidas, a bondade conveniente ao estado natural puro não mais convinha à nascente sociedade, que se fazia preciso que as punições se tornassem mais severas à medida que as oportunidades de ofender aumentavam de freqüência; e que, devido ao terror da vingança, se fazia necessário o freio das leis.

Destarte, bastou alguns discursos para seduzir homens grosseiros, fáceis de convencer, e que, de resto, tinha excesso de problemas a resolver entre si para dispensarem árbitros, e excesso de avareza e ambição para se eximirem de senhores.

Tal foi o deveu ser a origem da sociedade e das leis, que segundo Rousseau, criaram novas peias para o fraco e novas forças para o rico, destruíram sem possibilidade de retorno a liberdade natural, fixaram para sempre a ordem da propriedade e da desigualdade, que, de uma astuciosa usurpação, fizeram o direito irrevogável, e, para proveito de alguns ambiciosos, sujeitaram, daí em diante, todo o gênero humano ao trabalho, à servidão, à miséria.

Apesar de a desigualdade já existir no estado natural ela seria apenas sensível e sua influência era quase nula. Então Rousseau procurou demonstrar a origem e os progressos da desigualdade nos sucessivos desenvolvimentos do espírito humano.

Pierre Clastres, em “A Sociedade Contra o Estado”, reforça a importância desta reflexão, já que, segundo ele, não há dúvida de que uma reflexão ou uma pesquisa sobre a origem da desigualdade, no sentido de que as sociedades primitivas são precisamente sociedades que impedem a diferença hierárquica, possa alimentar uma reflexão do que se passa em nossas sociedades na atualidade.

A questão da obediência exposta por Rousseau é problematizada por Clastres, segundo o qual, é a divisão entre os que comandam e os que obedecem a primeira divisão, aquela que funda todas as outras, ou seja: o Estado. A divisão da sociedade entre os que têm o poder e os que se submetem ao poder.

Tanto Rousseau com Clastres fazem referências a pequenas sociedades para investigar a questão da origem do poder político. A questão da origem da relação de poder, da origem do Estado, para Clastres, é dupla, no sentido de que há uma questão da parte de cima e uma questão da parte de baixo. A questão de cima é: o que faz que em algum lugar, num dado momento, um sujeito diga “sou eu o chefe e vocês vão obedecer”? É a questão do topo da pirâmide. A questão de baixo, da base da pirâmide, é: por que as pessoas aceitam obedecer, quando um sujeito ou um grupo de sujeitos não detêm uma força, uma capacidade de violência suficiente para fazer reinar o terror sobre os outros?

Pierre Clastres, na pesquisa antropológica da chefia indígena, esclarece que nas sociedades primitivas não há nenhuma obrigação, ao menos nas relações sociedade/chefia.O único que tem obrigações é o chefe. Ou seja, é rigorosamente o contrário, o inverso total do que se passa nas sociedades onde há o Estado.

Segundo Clastres, em nossos países, é o contrário; é a sociedade que tem obrigações em relação a quem comanda, o déspota, que não tem nenhuma obrigação, porque ele tem poder. Então, o poder quer dizer precisamente: “As obrigações, agora, não mais são minhas, são de vocês”. Na sociedade primitiva, é exatamente o contrário.

Por fim, pode-se concluir com Rousseau que a desigualdade, sendo quase nula no estado natural, tira sua força e seu acréscimo do desenvolvimento de nossas faculdades e dos progressos do espírito humano, e se torna enfim estável e legítima pelo estabelecimento da propriedade e das leis. Conclui-se ainda que a desigualdade moral, autorizada pelo simples direito positivo, é contrária ao direito natural todas as vezes que não coincide na mesma proporção com a desigualdade física, distinção que determina suficientemente o que se deve pensar a este respeito da sorte de desigualdade reinante entre os povos policiados, uma vez que é claramente contrário à lei natural, não importa a maneira por que se defina, um imbecil conduzir um sábio, e um punhado de gente extravasar superfluidades, enquanto à multidão esfaimada falta o necessário.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

Deve torturar o rapaz em busca das informações abandonando assim o respeito à dignidade humana, sobrepondo o comunitarismo em face do liberalismo, ou até mesmo praticando um ato ilegal, que resultará na salvação de muitas outras vidas? O que você faria?

Em que momento um ser humano realizou o ato mais cruel?

Qual é o pior dos sete pecados capitais?

Qual sua opinião a respeito da legalização do uso de drogas?