segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Motivações e Sanções

“Punitur quia peccatum est”.
Immanuel kant

O historiador inglês Oliver Thomson, em sua obra "A assustadora história da maldade" relata que durante toda a história da humanidade, quatro incentivos principais foram utilizados em diferentes graus pelas sociedades para obter comportamento moral de seus membros. O primeiro e mais comum tem sido a punição. Grandes segmentos dos maiores códigos morais foram embutidos na lei e protegidos por punições estatutárias. Enquanto em qualquer código moral há muitos tabus que podem ser impostos pelo Estado com a utilização do sistema penal. Do mesmo modo, pode haver numerosas proibições decretadas por um governo que tem pouco a ver com o código de moral aceito por seu povo. Na Inglaterra elisabetana, era uma grave ofensa comer carne às sextas feiras, principalmente por causa do desejo de apoiar a frota de pesca que, por sua vez, fornecia a tripulação para a marinha. Com base nisso, comer peixe na sexta feira integrou o etos moral e religioso do país por um longo período. Lei e moralidade frequentemente se sobrepõem, ou às vezes, entram em conflito, dependendo do fato de o governo estar ou não em sintonia com o etos majoritário do povo.
O segundo grande incentivo moral é a ameaça do ostracismo social. A maioria das pessoas sempre quis a companhia, o respeito e a feição de seus pares, ou pelo menos de alguns grupos. Willian Lessa, num estudo sobre no Atol de Ulithi, no Pacífico Sul, no final da década de 40, comentou que para a maioria das pessoas, na maior parte das sociedades, uma ampla conformidade moral torna-se um imperativo. Tem-se apontado uma ligeira diferença entre as chamadas “culturas de vergonha”, como a japonesa, que enfatiza o desprezo público, e as “culturas da culpa”, como o cristianismo, cuja ênfase recai sobre o tormento interior.
A esse conceito de moralidade como a solução para a harmonia social, está estreitamente associada à idéia de moralidade como solução para a harmonia interior. Isso envolve a idéia tradicional de consciência, a voz interior que torna a pessoa infeliz se ela desobedece a uma determinado código de conduta. Platão fez a seguinte pergunta: “O que dará mais felicidade a seu possuídos; a justiça ou a injustiça?” O epicuristas e os utilitaristas viam o bom comportamento como algo ligado à felicidade e portanto motivado pelo desejo de ser feliz. Como disse Hegel, “o único padrão moral satisfatório é a harmonia”. Uma sensação de equilíbrio moral que permita ao indivíduo sentir-se à vontade continua a ser um poderoso incentivo subjacente que a sociedade pode usar.
O quarto grande motivador dos últimos três mil anos, embora em franco declínio agora, é a ameaça do inferno ou a promessa do paraíso. Seu uso teve muitas variações: antigos gregos condenavam apenas alguns poucos vilões à danação eterna, enquanto os cristãos medievais condenavam praticamente todos, menos os seus próprios eleitos, a desagradáveis torturas após a morte. No inferno de Dante vemos a condenação de prostitutas, hereges congelados caminhavam em desertos, bandidos ferviam num rio de sangue, e assim por diante. A sanção céu/infernos não se restringia apenas ao cristianismo, mas estava presente em todas as religiões. O que havia de especial no rigor da versão cristã eram as penalidades sádicas e escatológicas aplicadas aos não-ortodoxos, pelo menos desde o tempo de Agostinho até depois da Reforma.
Paralelamente aos principais instrumentos e motivação empregados por uma sociedade para impor seus padrões morais encontramos as principais sanções que justificam essa pressão. Vemos aqui três temas comuns que ocorrem na história em graus variados de destaque: sanção objetiva, a tradição e o contrato social.
O conceito de sanção objetiva provavelmente tem sido o mais comum, embora esteja em baixa desde o século XX. “O certo é certo porque Deus assim disse” era a opinião de Duns Scotus, ao passo que até mesmo Voltaire podia dizer que há ligação de todas as normas morais com decreto divino. Para Immanuel Kant, a segunda grande sanção é a tradição ou os antecedentes, aquilo que os romanos chamavam de “costumes ancestrais”. A mitologia das proezas passadas é usada para sancionar os hábitos do presente. As antigas sociedades da China, Roma e Japão foram exemplos típicos, em que um forte caráter conservador favoreceu códigos morais estáveis e duradouros que enfatizavam o respeito pelos mais velhos.
O contrato social, o mais recente conceito filosófico a ter importância como sanção moral, deriva principalmente do trabalho de Hobbes, Locke e Rousseau, que viam a moral como uma extensão da natureza. A necessidade de auto-defesa cooperativa e a existência comunitária exigiam do homem uma renuncia voluntária a certas liberdades absolutas que deveriam ser ponderadas com a conservação de alguns direitos inalienáveis. Tem sido essa sanção moral dominante no hemisfério ocidental nos últimos dois séculos; e a proteção dos direitos naturais tende a substituir tanto a autoridade divina quanto os antecedentes como a força moral motriz do século XX. Os três, é claro, não são mutuamente exclusivos. A grande divisão na história recente tende a se localizar na ênfase conflitante sobre as duas tendências mais importantes: a liberdade e a igualdade. A incapacidade de todos os Estados modernos em realizar por completo ambas ao mesmo tempo tem sido uma fonte fundamental de conflito.

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Um terrorista sequestra 20 pessoas em um shopping e as esconde dentro de uma sala. Nesta sala os reféns encontram-se amarrados à explosivos de grande capacidade destrutiva. Os agentes policiais recebendo o chamado prontamente se dirigem ao shopping. Ao chegar ao local estabelecem contato com o terrorista, que demanda várias exigências a serem cumpridas para a liberação dos reféns vivos, entretanto em nenhum momento conseguem ver quem está ao telefone. O comandante da operação dada a situação de grande perigo decide ordenar a invasão e acaba por prender um rapaz com as mesmas características que foram apresentadas na ligação anônima denunciando o delito, entretanto não encontram os reféns. Posteriormente a captura, começam então os policiais a perguntar ao rapaz aonde estavam os reféns. Nenhuma resposta é encontrada, uma vez que o rapaz recusava a dar as informações, sob a alegação de que não era o terrorista e portanto não sabia a localização do cativeiro. O comandante diante das alegações do jovem tenta estabelecer contato com o telefone, o qual antes o terrorista vinha utilizando, mas a ligação não é atendida. Tendo em vista o prazo estabelecido pelo terrorista, a situação começa a se agravar diante da iminente explosão caso não sejam encontrados os reféns. O Comandante nesse momento se depara com um dilema moral, filosófico e legal:

Deve torturar o rapaz em busca das informações abandonando assim o respeito à dignidade humana, sobrepondo o comunitarismo em face do liberalismo, ou até mesmo praticando um ato ilegal, que resultará na salvação de muitas outras vidas? O que você faria?

Em que momento um ser humano realizou o ato mais cruel?

Qual é o pior dos sete pecados capitais?

Qual sua opinião a respeito da legalização do uso de drogas?